Nós, os anormais!

February 9, 2017
Autor(es)
Dr. João Teixeira de Sousa

Para Jean paul Sartre, o absurdo fundamental do homem residia no facto de, sendo livre, temer a propria liberdade, a angústia da ausência de limites. Para ele, cada um teria de se conduzir em liberdade. Mesmo na forma como escolhia amar.  Rejeitava qualquer código social que determinasse a sua vida. Não valorizava a norma. A sua vida seria a sua própria construção. Este era o seu cânone de normalidade.

A questão central da normalidade está no facto de a forma como nos vemos, o que aceitamos daquilo que sentimos ou vivemos, o olhar que nos devolvem sobre as nossas vivências estar amplamente marcado pelo tempo em que vivemos, pelo espaço que habitamos, pela cultura estabelecida, pela religião. Concomitantemente, pelas nossas leis. E, claro, pela medicina que praticamos. Relativamente a qualquer comportamento sexual, questionar a sua normalidade é o mesmo que levantar estas questões: imoral? É crime? É uma doença?

Translademos qualquer problema no espaço ou no tempo. Invariavelmente cada contexto cultural levará a diferentes análises, leituras ou considerações. E por isso diferentes respostas às questões supracitadas. Num determinado plano, é normal. No outro, anormal. Num lugar, crime ou doença, num outro até é valorizado. É caso para dizer que é o tempo em que vivemos, a cultura em que nos incluímos que dita o problema que temos ou vivemos.

Permita-me trazer exemplos da prática clínica, deste tempo normal. Por exemplo, no que toca à orientaçao sexual, a comunidade científica ocidental apenas há poucas décadas a deixou de considerar uma doença. Também a sociedade a considerava um crime e a religião um pecado. Crescemos com esta normalidade. Estou convicto de que isso muito contribui para que continue a ser muito difícil para os jovens de hoje confrontarem-se com as tendências da sua orientação sexual, quando esta não segue a linha maioritária.

Somos bons a promover a anormalidade. O ideal de beleza e sucesso veiculados socialmente dita muito na forma como os mais novos se avaliam, se ligam aos outros e com dificuldade aceitam o seu corpo normal. A elas, principalmente, sugerimos que devem ter muito cuidado na entrega sexual. Pedimos contenção, acenamos com o perigo. Mais tarde, aparecem na consulta para tratar a disfunção sexual de que padecem: não reagem normalmente ao estímulo sexual, têm mais dificuldade do que queriam em erotizar ou em atingir o orgasmo.

Para os mais novos, o desejo nos mais velhos é uma espécie de anátema. Uma coisa fora do lugar, anormal. Claro que é o reverso da medalha deste padrão, se os mais novos não desejarem muito, algo de estranho (anormal) se passa.

Um dos problemas mais frequentes na clínica em sexologia de hoje é o da ausência de desejo. Impôs-se o padrão da obrigatoriedade. Falham todas (e todos) aquelas (e aqueles) que não correspondem à expectativa da normalidade.

A verdade é que somos plurais, diversos, irrepetíveis na forma como desejamos, incomparáveis na maneira como experienciamos. Sentimos de forma única. É difilcil encontrar dois normais que desejem da mesma forma, que dêem o mesmo significado às vivências sexuais.

Importa, penso eu, aceitar a pluralidade, tolerar a diversidade, enriquecer com ela, não a patologizar. Sigo a linha dos que pensam que a normalidade no que toca à sexualidade tem apenas fronteira no consentimento e na violência, seja física ou psíquica. Esta não deve ser tolerada, mas pelo contrário combatida.

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